18 Outubro 2015
"Sim, ao acesso à Eucaristia pelos casais em segunda união e/ou separados/divorciados que contraíram um novo casamento: este é um ponto polêmico e que vem acalorando o debate sinodal até aqui. De acordo com o Papa, deveríamos ir mais além e não reduzir o Sínodo a este ponto, que parece tão óbvio, mas tendo em vista a recusa e o fechamento de muitas partes, a argumentação se faz sempre necessária", escreve Cesar Kuzma, teólogo leigo, casado e pai de dois filhos.
Segundo ele, há uma "contradição nos discursos que dizem que tais casais não estão excluídos da Igreja, mas ao mesmo tempo negam o acesso deles à Eucaristia e a outros sacramentos. Esta ideia de exclusão do sacramento e não-exclusão da Igreja revela-se totalmente excludente e não abre espaço para a misericórdia, que é a grande tecla que bate Francisco e que tem sim caráter evangélico.
Cesar Kuzma é doutor em Teologia e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Autor de livros e artigos em teologia, dentre eles: “O Futuro de Deus na Missão da Esperança” (Paulinas); “Leigos e Leigas” (Paulus); “Age Deus no mundo?” (PUC-Rio e Reflexão).
Eis o artigo.
Nas reflexões que seguem nós procuraremos enaltecer aspectos teológicos que favoreçam a nossa intenção para que, na sequência, as mesmas reflexões e intenções possam balizar as diversas questões levantadas e, com isso, oferecer à Igreja, que se debruça já no estágio final de um Sínodo sobre a Família, uma resposta pastoral segura, diante de um confronto e entendimento que se fazem justos e necessários.
Este Sínodo, em particular, tem levantado questões que vão além do que se compreende das famílias e do sacramento do Matrimônio, ou mesmo do sacramento da Eucaristia e da Reconciliação, quando relacionados com o Matrimônio, mas tem demonstrado a reação de uma parte da Igreja que passa a se incomodar com uma postura nova trazida por Francisco, que felizmente encontra eco em muitos bispos, teólogos e, principalmente, no povo de Deus; o que provoca do outro lado uma reação agressiva.
Discursos variados e alguns desentendimentos entre os padres sinodais (e também extra Sínodo), cartas e entrevistas ali e acolá nos levam a perceber esse fenômeno. Poderíamos aqui perguntar como Paulo: estaria Cristo dividido? (cf. 1Cor 1,13). Ou será que nós o estamos dividindo?... E com quais argumentos reforçamos os lados que se opõem, será que estamos pautados no amor, ou simplesmente em tradições e doutrinas? Seria o Evangelho algo ainda vivo, ou apenas uma herança que nos foi passada e que devemos proteger a qualquer custo?...
Muros como esses, quando se levantam de ambos os lados, não deixam transparecer o Evangelho que pulsa sempre novo e que quer avançar para águas mais profundas. A liberdade em dizer o que pensa, garantida por Francisco, traz em si uma novidade e um resgate de discursos abertos; mas também aguça mais aqueles que se aprisionam em cargos e estruturas firmes, cuja profecia evangélica parece incomodar. Resta-nos saber se o discurso final deste Sínodo será mesmo sobre as famílias ou será sobre posturas eclesiológicas que se queiram sustentar a qualquer custo e em qualquer tempo.
Desta forma, tentando somar e fazer voltar o nosso olhar para a proposta do Sínodo e encorajados pela perspectiva que Francisco nos abriu, pretendemos olhar e discernir, confrontar e responder algumas questões urgentes que tocam a todos nós.
1. Olhar e discernir teologicamente
Faremos as reflexões seguintes em forma de teses (T), descrevendo-as de modo prático e objetivo, alinhando-as na intenção da fé e prática cristãs.
T1 – O amor de Deus que nos toca por inteiro e que nos conduz à plenitude: desde o início do seu Pontificado, o Papa Francisco tem nos convidado a refletir e conviver, melhor dizendo, a fazer crescer em nós o sentimento e a percepção da misericórdia, apontada claramente como parte central do Evangelho (cf. Francisco, Misericordiae Vultus). Deste modo, falamos aqui a respeito deste amor, afirmando que não se trata de qualquer amor, mas de um amor que em si mesmo já é pleno e que é a essência e a natureza do próprio Deus (cf. 1Jo 4,8), que nos ama, e, no amor, vem ao nosso encontro, como um ato in-clusivo e em gesto de extrema misericórdia conduz a nós todos à plenitude do seu amor. Ele nos amou por primeiro (cf. 1Jo 4,19) e nos ama até o fim (cf. Jo 13,1); e isso marca todas as consequências desta relação – entre Deus e o ser humano – e esse amor não conhece limites.
O sacramento do Matrimônio, que toca às famílias em particular, e que é um aspecto presente e acalorado nas discussões deste Sínodo está fundamentado neste amor, neste gesto de amar. Deus, em Cristo, se doa por inteiro à humanidade, caracterizada pela sua Igreja (cf. Ef 5,32); tem a sua kénosis (cf. Fl 2,6) e vem ao encontro do ser humano, unindo-se a ele de modo inseparável, indissolúvel, visto que o amor de Deus é eterno. Essa é a união resultante entre seres humanos que se amam e se entregam e que se confirma no sacramento do Matrimônio, sendo sinal desta graça, com consequência a eles e a todos que cercam esta união. Trata-se de uma entrega total, uma doação por inteiro, capaz de fazer de duas vidas, uma só vida, uma só carne (cf. Mt 10,8); e eclesialmente: um só coração e uma só alma (cf. At 4,32).
T2 – Deus que se faz humano, em Cristo, assume as nossas dores e tristezas, alegrias e esperanças, e, em família, assume também a nossa vulnerabilidade: O Concílio Vaticano II, pela Gaudium et Spes, já fez esta afirmação (GS 1), e diz ainda que nada que ocorre no mundo, nada que o mundo possa sentir fica sem encontrar eco no coração de quem crê. É isso que nos faz humanos, pois por uma atitude de amor, colocamos em nossas vidas e em nossas responsabilidades a vida do outro, entregamos a ele o nosso gesto e acolhemos o seu medo (é bem verdade) e a sua confiança (que deve ser conquistada).
Nós encontramos este gesto também na prática de Jesus, pelo seu anúncio do Reino, em gestos e palavras que edificam e criam uma nova realidade, uma boa nova, capaz de incluir a todos, sobretudo, os mais vulneráveis. Mas vai ainda além, já que queremos com isso chamar a atenção para as diversas situações que reclamam às nossas famílias e que exigem de nós – teológica e pastoralmente – uma atitude concreta. Acima falamos de Deus que por amor se fez humano e assumiu todo o nosso existir. Isso é fato e verdade de fé. Com efeito, Jesus não se fez um humano qualquer, mas o fez em uma determinada realidade, marcada por fortes traços culturais e também por uma vida familiar [!].
Pintar um quadro no qual a família de Nazaré e tudo o que a circulava era algo amplamente perfeito, fere de todas as maneiras a realidade em si mesma e nega algo particular da própria ação de Deus. Eis um ponto que gostaríamos de chamar a atenção: Em Cristo, Deus assume os nossos limites, assume as nossas fraquezas e vive a nossa vulnerabilidade. A família de Nazaré em si mesma também passa por esta questão e em seu relato (cf. Mt 1,18-25), seguindo aqui um aporte canônico dos Evangelhos da infância, sem entrar nas questões exegéticas atuais, é possível perceber uma realidade hostil e insegura. Sabemos pouco a respeito de José, o pai de Jesus, apenas nos é dito que era um homem justo (cf. Mt 1,19). A situação de Maria também nos é oculta, a não ser pelo fato de que esta jovem, antes de contrair o casamento, observa-se grávida. Qual seria o destino para uma jovem nesta condição? Por certo, nada acolhedor, o que colocava em risco a sua própria vida e da criança em seu ventre.
Aí vem a beleza do relato, às vezes, não perceptível e ignorada, pois somos tentados a ler de modo romântico, projetando no casal José e Maria condições contemporâneas nossas, que tampouco poderiam existir. O que acontece? José, o carpinteiro da vila, tido no relato como homem justo, faz em Maria a sua justiça e acolhe ela e seu filho em sua casa, e perante todos, José assume a paternidade de Jesus, dando a ele um nome e uma identidade (cf. Mt 1,25). Será que nós nos percebemos desta interrogação, por certo, mais próxima às nossas famílias – também vulneráveis?
Também no que toca ao filho, Jesus, que perante a sua comunidade e seus irmãos era tido como louco e foi preso e morto como um criminoso. Perguntamos: Será que esta família, hoje, teria acesso às nossas comunidades, teria acesso aos sacramentos?... Teríamos, como José, uma justiça pautada no amor de Deus, na misericórdia, ou não? Acreditamos que uma nova percepção da imagem da sagrada família de Nazaré pode nos oferecer novas pistas de reflexão (cf. KUZMA, Cesar. O sentir da ternura: o Sínodo sobre a família e suas implicações teológicas e pastorais. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 47, n. 131, p. 13-36, jan/abr. 2015.).
T3 – Em Cristo, uma realidade que se transforma e que faz novas todas as coisas: O Evangelho narrado por João apresenta a pregação de Jesus em sinais. Gostaríamos, para este momento, de resgatar duas imagens que nos são preciosas e que podem trazer frutos condizentes com a nossa proposta.
1) A primeira delas diz respeito ao primeiro sinal, a narrativa das Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-12), uma festa de casamento. Não entramos no detalhe exegético e histórico do relato, mas, a partir de uma leitura canônica, queremos nos firmar em alguns pontos:
a) Jesus é convidado para uma festa de casamento;
b) sua presença não é em vão, ele atua ali, a sua ação modifica e transforma;
c) Jesus traz vinho novo à festa, traz alegria e plenitude; em Cristo tudo se consome e se realiza.
Acho que estes elementos traduzem, de certa forma, a intenção do relato. A presença de Jesus em meio às pessoas, neste caso específico, em um casamento, gera transformação, vida nova e alegria. Ele é o vinho novo que anima os corações e acalenta à espera de um novo tempo.
2) A segunda imagem que trazemos é a do diálogo de Jesus com a samaritana (cf. Jo 4,1-42), uma mulher, que na situação de sua época, de acordo com o relato, também estava em vulnerabilidade, excluída. Jesus se aproxima dela e lhe pede algo; sabe que todos temos um pouco a oferecer e a servir, não importa a condição, temos algo que pode saciar a sede de quem está ao nosso lado, até mesmo pela nossa dor e sofrimento. Mas o destaque desta passagem é que Jesus se apresenta como água viva, a única capaz de saciar a nossa sede e de tornar pleno tudo o que existe. Por certo, necessitamos desta água viva!
2. Confrontar e responder pastoralmente
O confronto e as respostas sucessivas, que terão por base as situações apresentadas e as teses acima apontadas, aparecerão aqui como respostas pastorais (RP).
RP1 – Sim, à acolhida às famílias em suas diversas realidades estruturais: levando em consideração a proposta desta reflexão, que se coloca a sentir com ternura, tendo em conta também a prática de Jesus e o conteúdo do Evangelho que se faz conhecer no amor (misericórdia) e que nos acolhe em todas as circunstâncias, sem julgamento, mas em gesto salvífico, afirmamos que a Igreja, como sacramento de salvação (e de reconciliação), deve valer-se por esta prática.
As reflexões acima e tudo o que se debateu no Sínodo até agora deixaram evidente as diversas marcas que avançam sobre nossas famílias e suas novas concepções e/ou configurações estruturais. Não se pode excluir, pois tal postura não seria evangélica e coerente. Não se pode imaginar também que a realidade vivida em muitas famílias de hoje já seja um estado pleno, da mesma forma que não se pode dizer que elas não atendem ao projeto de Deus. Não! A(s) família(s), como todas as pessoas que pertencem a elas ou não, mas que compõem a Igreja, estão em constante estado de peregrinos (Lumen Gentium n. 48), andam ainda em marcha, no caminho e rumo ao encontro definitivo, onde Cristo, somente ele, fará novas todas as coisas (cf. Ap 21,5), onde somente ele trará a tudo e a todos a plenitude (cf. 1Cor 15,28).
Não nos cabe separar, nem mesmo excluir qualquer pessoa ou família (seria anti-evangélico). Podemos sim orientar o caminho dentro da ótica do Reino e dos passos de Jesus, mas jamais excluir qualquer pessoa do convívio fraterno e da harmonia entre os irmãos, seja por sua situação de crise, seja por casamentos rompidos ou novos, seja pela questão sexual e afetiva, sobretudo, aos casos que envolvem recasados, homoafetivos e as diversas famílias em vulnerabilidade.
A Igreja é mãe (cf. Francisco, Evangelii Gaudium, n. 46-47), e como mãe acolhe a todos; no acolher, ela educa; e no educar, transforma; sempre, porém, no amor, um amor-misericórdia. Pede-se aqui, um exercício contínuo para a inclusão de famílias em situações de conflito e da ajuda que se faz necessária para a caminhada gradual da experiência cristã, que deve ser buscada por cada um, mas, também, favorecida pela Igreja toda.
RP2 – Sim, ao acesso à Eucaristia pelos casais em segunda união e/ou separados/divorciados que contraíram um novo casamento: este é um ponto polêmico e que vem acalorando o debate sinodal até aqui. De acordo com o Papa, deveríamos ir mais além e não reduzir o Sínodo a este ponto, que parece tão óbvio, mas tendo em vista a recusa e o fechamento de muitas partes, a argumentação se faz sempre necessária. A nossa opinião a este respeito já ficou clara nas linhas anteriores e já nos expressamos abertamente sobre isso em outros escritos.
Também achamos que a mesma intenção tem fundamento garantido na própria essência do sacramento da Eucaristia, cuja riqueza inesgotável ainda não nos permitiu ver a tal ponto. Uma vez que a Igreja afirma que a Eucaristia é o que constitui a Igreja e que ela é necessária para a edificação dos fiéis e para a sua caminhada rumo a Cristo, negá-la para aqueles e aquelas que, mesmo machucados e feridos, muitas vezes sem culpa, seguem, perseguem e persistem no seu amor a Cristo e a Igreja seria uma negação do próprio conteúdo que sustenta este sacramento, que é amor, que é misericórdia.
Na Evangelii Gaudium (n. 47) o Papa Francisco disse claramente que este sacramento não é um prêmio para pessoas santas, mas remédio e alimento para todas as pessoas. E faz isso se baseando na rica tradição eclesial, em especial em Santo Ambrósio, que diz que se deve comungar sempre, e em São Cirilo de Alexandria, que diz que se o pecado nos torna indignos, como poderemos nos separar daquele que nos santifica para a eternidade? Em se tratando da Eucaristia, nós não chegamos plenos a ela, mas ela nos plenifica; nós não chegamos santos a ela, mas ela nos plenifica. É necessário discernir o que o Espírito nos sopra hoje! Sabemos que ações pastorais que aderiram a esta nova práxis, de modo consensual, equilibrado, gradual, maduro e respeitoso, lograram bom êxito e esta nova realidade tampouco causou escândalo ou induziu ao erro outros fiéis. Ao contrário, aproximou a Igreja dessas realidades e ofereceu aos que estavam caídos alimento e remédio para a vida concreta. Não entraria aqui o pedido do Papa Francisco para que sejamos facilitadores da graça e não seus reguladores, ou mais enfático: podemos segurar o Espírito?
Vale trazer aqui o pensamento clássico de Santo Ambrósio, que diz que onde atua a graça, Cristo ali está, onde se vale a severidade, apenas os seus ministros. Refazemos aqui a pergunta feita pelo Cardeal Walter Kasper em sessão do Sínodo de 2014 e que na ocasião foi apoiada pelo Papa Francisco: se uma pessoa nessas condições, acompanhada e amparada pela sua comunidade, e que se mantém fiel a Cristo, pode comungar espiritualmente (como se costuma dizer), por qual razão ela não poderia também comungar sacramentalmente, já que esta realidade visível e sensível se faz favorável e aproxima o fiel do próprio Cristo, que por ele deu a sua vida e foi fiel até o fim?
É onde encontramos a contradição dos discursos que dizem que tais casais não estão excluídos da Igreja, mas ao mesmo tempo negam o acesso deles à Eucaristia e a outros sacramentos. Esta ideia de exclusão do sacramento e não-exclusão da Igreja revela-se totalmente excludente e não abre espaço para a misericórdia, que é a grande tecla que bate Francisco e que tem sim caráter evangélico.
Seria até vantajoso propor a estes que insistem em se manter contrários a esta abertura que passem a exercitar a não-comunhão Eucarística solidária, deixando de comungar o sacramento e se fazendo solidário (espiritualmente) aos que dele são impedidos, pois é bem verdade, somos todos pecadores!...
Valeria a pena pensar. Não se trata de mudar a doutrina dos sacramentos, mas de compreendê-los na sua máxima essência e, neste caso, mudar a disciplina de se celebrar e vivê-los. Enfim, na liberdade de reflexão que Francisco nos concedeu, queremos aqui firmar como sim a nossa decisão e reflexão conclusiva a este respeito.
RP3 – Sim, à uma recepção madura e responsável dos novos métodos de planejamento familiar e de reprodução humana: este talvez seja um ponto ainda mais polêmico e que exige uma atitude de maior estudo e discernimento pastoral. Não está sendo objeto de discussão no Sínodo, mas tais reflexões deveriam acalentar os debates teológicos e pastorais, pois se querem urgentes. Respeitamos as razões que levaram o Papa Paulo VI a assumir tais posturas na publicação da Encíclica, mas acreditamos que hoje (quase 50 anos depois e com todos os avanços biomédicos e da teologia moral) se faz necessário dar um passo além das resoluções da Humanae Vitae, pois trata-se de uma realidade comum a maioria das famílias e casais. Vale lembrar aqui que Paulo VI não encerrou a questão!
Fechar-se a este tema é fechar-se na mesma indiferença que muitos casais e famílias têm e vivem em relação a este assunto. Dado concreto de muitos casais. Não queremos fechar o debate, mas abri-lo e pedir, que com coração de ternura, a Igreja acolha estas novas realidades e se coloque em diálogo, na consulta de especialistas e das próprias famílias. Isso convida a uma nova compreensão do ser humano e de suas relações, bem como uma nova indagação sobre a sexualidade humana. Muitos casais, hoje, vivem isso como um peso, ou na indiferença. É como se tudo chegasse a um meio termo, o que não é produtivo. O nosso sim aqui, é para esta atitude madura e responsável que já se previu no Vaticano II, com a Gaudium et Spes, n. 51; já ali existe uma grande abertura que poderia ser revisitada.
3. Não esquecer da ternura
O breve artigo que aqui apresentamos quer oferecer à Igreja, à teologia e às pastorais algumas perguntas a mais, pois entendemos que o tempo é oportuno e decisivo, e talvez por esta razão tenha despertado tantos debates e opiniões divergentes. Ressaltamos também que existem muitos pensamentos comuns e que há um grande número de bispos e teólogos que se somam a estas aberturas.
O Sínodo sobre as Famílias, convocado pelo Papa Francisco, trouxe à Igreja e às famílias a possibilidade de rever alguns posicionamentos e implicações internos e externos às realidades, destacando os desafios que atingem as famílias na atualidade, a fim de favorecer um melhor entendimento da sua vocação e missão, que é o grande objetivo. Diante dessas situações, muitas delas, em torno a crises e dificuldades, gostaríamos de propor um novo olhar a partir da ternura, um novo sentir, com base na proposta de Cristo, da sua sensibilidade e da sua prática do Reino; por isso expressamos: não esquecer da ternura.
Sabemos, de antemão, que o atual contexto eclesial se tornou favorável a estas reflexões, o que exige da Igreja e de todos nós uma postura crítica e sensível a estas questões, a fim de destacar, de forma ousada e madura, a partir do Sínodo e além dele, possíveis implicações teológicas e pastorais.
Durante a sua homilia, na missa de abertura da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo, em 2014, o Papa Francisco disse claramente que haveria liberdade no falar e no expressar de novas questões. Esta intenção se repete no Sínodo de 2015. É o momento que se pede tal postura, a fim de se fazer ouvir, discernir e, de modo criativo e seguro, buscar uma resposta pastoral coerente e condizente com a proposta do Evangelho, que se sustenta no amor.
Quando a urgência humana e pastoral nos obriga a um desprendimento, a um despojamento, a uma entrega total em favor do outro, em uma saída baseada no amor e em busca do amor, tem-se aí algo característico e fundamental para a fé cristã. Esta fé está alicerçada na entrega total de Deus-criador à sua criação-criatura, com total afeição e ternura, num jeito próprio e único, sendo para todos nós a medida do verdadeiro amor, o qual devemos contemplar, sentir e seguir, entregando e repousando naquele que nos amou por primeiro e que nos ama até o fim.
Deus se doa por inteiro e o faz porque isso é parte de seu ser – amor. A maneira como nós nos relacionamos, o modo como nós nos encontramos e formamos laços, laços estes que perpassam uma vida, a forma como isso se dá baseia-se nesta mesma intenção – amor. Isso é o que nos torna:
1) discípulos e cristãos, pois por essa razão o seguimos e antecipamos na fé e na esperança este sentir da ternura, onde Deus-amor se faz presente; mas,
2) é também o que torna plena a relação entre duas pessoas que se amam e que se doam totalmente, pois só o amor verdadeiro, como dom maior, é capaz de transcender todos os limites da nossa compreensão e estabelecer um vínculo tão forte (e ao mesmo tempo tão sensível); contudo,
3) o caminhar humano é limitado e finito diante do amor de Deus que é eterno. Este sentimento tão forte, às vezes (e não poucas) torna-se frágil e por mais que se queira não chega ao seu destino.
Por essa razão que a Igreja, comunidade firmada no amor, e todos aqueles e aquelas que no amor se encontram, devem ter este gesto de ternura, fazendo sentir a ação de Deus, onde sempre há espaço para a vida e onde a alegria sempre faz o novo ressurgir. Nunca é tarde, sempre há tempo. Nós acreditamos que este é o pano de fundo, a espinha dorsal que acalenta o Sínodo sobre as Famílias, que já partiu numa intenção, atento às urgências humanas e pastorais e buscou, para tanto, um olhar de amor em misericórdia, na acolhida e no afeto, no sentir da ternura. Se a fé da Igreja se sustenta no amor de Deus para com todos, e se é nesse amor que se vive, por certo, é nele que saímos e vamos ao encontro do outro, fazendo-se próximo, para acolhê-lo e, se preciso for, para reerguê-lo no mesmo amor. Não se trata de qualquer amor, mas daquele que se faz sentir na ternura do ser, na misericórdia, pois foi assim que Deus se fez conhecer e é assim que se pode encontrá-lo, e é assim que devemos fazer.
No Sínodo o Papa insiste para não esquecermos a misericórdia. E aqui, nós nos somamos a ele pedindo para não se esquecer também da ternura, que é o gesto que torna possível este amor misericordioso.
Na esperança, sempre!
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Olhar e discernir, confrontar e responder: questões urgentes no Sínodo dos Bispos sobre as Famílias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU